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Os Congos de Calçola de São Gonçalo do Amarante

Arquivo pessoal 

              O congo é uma prática africana que foi adaptada no Brasil pelos escravos e filhos de escravos, que reúne não só elementos temáticos africanos, mas também ibéricos, cuja difusão vem do século XVII. No Brasil, os missionários católicos conseguiram conservar estas danças guerreiras e batizaram-nas introduzindo elementos do cristianismo. Os escravos, que na sociedade colonial constituíam-se simples instrumento de trabalho, tinham, graças à influência da igreja, a permissão de comemorar certos dias do ano, com festas, estes dias eram comemorados com a congada, permitida pelos patrões e pela igreja. A dança era incentivada  pelas autoridades para manter a ordem nas senzalas. É que os negros se confortavam em assistir seus reis representados nas congadas. Não se tem ideia em que região brasileira surgiu à congada.

 

                  De acordo com Jaceguay Lins (O Congo do Espírito santo, pag 30), as expressões congo, congada, congado, conguês, terno de congo, baile de congo, congo de máscaras, congo de calçola, rocongo, congo sinfônico, e outras que no âmbito da música recorram ás palavras congo ou congos, remetem, todas elas, ao antigo Reino do Congo, o maior império de que se tem notícia na África.

Mas o que é o congado?

 

                   Segundo Luís da Câmara Cascudo em seu Dicionário do folclore brasileiro (Ministério da Educação e Cultura; Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1954): "Congos, congados, congadas - Autos brasileiros de assuntos africanos, especialmente reminiscências da rainha Njinga de Angola, falecida a 17 de dezembro de 1663. O tema essencial é a embaixada da rainha Ginga a um potentado negro, às vezes, Henrique rei Cariongo, nome que recorda uma das circunscrições de Luanda, e que outrora foi sobado independente. O enredo referir-se-ia a uma luta entre a guerreira Ginga e um soba de Cariongo, transformado em rei, e não um rei do Congo. É auto popular em todo o Brasil, tendo variantes, onde desaparece a rainha e figura sempre um embaixador, que luta e vence o rei local. Noutras regiões, o príncipe vencido e morto é ressuscitado pelo feiticeiro, e tudo acaba em dança e canto".

 

                 O congo reúne elementos, usos e costumes da Angola e do Congo, com influências ibéricas em relação à religiosidade (sincretismo religioso). Há várias vertentes do Congo praticadas de norte a sul do país, em Ubá Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, a Rainha Ginga desfila em procissão as canções são improvisadas na hora da festa com base em cânticos africanos; em Recife, a coroação dos reis do congo já era realizada na igreja de Nossa Senhora do Rosário (ou Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos). Em 1674 e em certas ocasiões a festa alcançava esplendor pelo empréstimo de joias e adereços, cedidos pelas senhoras e senhores do engenho. Reunidos, os escravos e mestiços iam buscar o régio casal, levando-os à igreja onde eram coroados pelo vigário.

          Atualmente, existem três grupos de congos no Rio Grande do Norte. São os congos de calçolas da praia de ponta negra, Natal do Mestre Pedro Correia, Os congos de Santo Antônio dos Barreiros, São Gonçalo do Amarante do Mestre Gláucio Teixeira da Câmara e os congos de Taboão, Ceará Mirim do Mestre Tião Oleiro.

 

         Segundo Deífilo Gurgel (Espaço e Tempo do Folclore Potiguar, p. 106), O auto dos congos, no estado tem por motivo nuclear a representação de uma embaixada da Rainha Ginga, soberana africana, ao rei Henrique Cariongo, seu irmão. Desta embaixada, cujo objetivo maior seria o trânsito dos soldados da rainha pelas terras do Rei Cariongo, resulta a morte do Príncipe Sueno, filho do Rei. Tudo precedido como nos demais autos populares, de cantigas diversas destacando-se as saudações e louvações e no encerramento as despedidas. A indumentária e adereços dos figurantes, não obstante, obedecem a uma linha tradicional, variam nos detalhes de acordo com o gosto pessoal e as posses do responsável pelo folguedo.

 

            Os primeiros registros oficiais dos Congos em São Gonçalo se da a partir dos anos 70 pelo pesquisador e folclorista Deífilo Gurgel (2010, p. 121)

Quando comecei a me interessar pela cultura popular do rio grande do norte, meu primeiro alumbramento foi a descoberta do universo folclórico de São Gonçalo do Amarante.

 

            O Auto dramático dos Congos de Calçola de São Gonçalo do Amarante RN mostra por meio de mitos, danças, ritmos e oralidades, a beleza da cultura popular e suas influências na formação do povo brasileiro. Eles formam dois grupos: do Rei Congo e do embaixador da Rainha Ginga, o qual, por meio de diálogos, realiza as embaixadas. Figuram príncipes, ministros, o general da rainha e os figurantes com seus adornos multicoloridos que dançam e reproduzem o choque das armas conhecido como dança das espadas.  Este entrecho dramático é precedido das mais variadas cantigas: dobrados guerreiros, benditos de igreja, louvações aos oragos da raça, ou santos padroeiros locais: São Benedito, Nossa do Rosário e São Gonçalo. As melodias são executadas por viola, pandeiro e maracá.

O Congo de Calçola de São Gonçalo do Amarante e seus Mestres:

 

            João Fábio Bandeira ou simplesmente João Menino, foi o primeiro mestre de congo do município de São Gonçalo do Amarante. Nasceu em Uruaçú distrito de São Gonçalo no inicio do século e faleceu no dia 23 de Junho de 1978, com mais de 70 anos de idade.  João Menino Comandou a Congada até o ultimo dia de sua vida.

 

            Mestre Lucas nasceu no dia 21 de abril de 1921 e iniciou suas brincadeira aos oito anos de idade com os caboclinhos de Milharada. Mestre Lucas comandou esta a congada em São Gonçalo dos anos 80 até 2008. Os problemas de saúde paralisaram as apresentações do grupo. Mestre Lucas Faleceu no dia 11 de julho de 2010.

 

            Mestre Sérvulo Teixeira de Moura, nascido no Sítio Breu em São Gonçalo do Amarante no dia 10 de dezembro do ano de 1927, o mestre iniciou sua vida artística aos 12 sendo o quinto filho de uma família de cinco irmãos onde todos brincavam no Boi Pintadinho Surubim de Pedro Guajirú. Depois da morte dos grandes mestres, e por último do seu irmão Lucas Teixeira (2010), o brincante Sérvulo Teixeira puxou a responsabilidade para si e se tornou o Mestre mais importante do município preservando a congada e as atividades culturais até os últimos dias de sua vida, onde repassou seus saberes. Tendo como foco as novas gerações. Mestre Sérvulo faleceu em julho de 2013.

            Tribuna do Norte (2010) “No ano de 2010, após a morte do Mestre Lucas Teixeira, o contramestre do congo Sérvolo Teixeira, fez uma despedida emocionada anunciando: “Os congos não podem parar”, e num momento inesperado fez um segundo anuncio dizendo que a sucessão ao mestrado de congo é agora de seu sobrinho neto Gláucio Teixeira de 28 anos”. 20 de julho, pp.06.  

 

            O congo é uma manifestação popular que surgiu desde o início da colonização, que narra não só a história do rei e da rainha do congo e sua embaixada, mas descreve um conjunto de múltiplos valores como modos de conviver, cultuar e reviver a áfrica e suas tradições.  Não se tem ideia de quando começou a ser brincado em São Gonçalo do Amarante, contudo, o historiador Deífilo Gurgel tornou visível em registros oficiais a partir da década de 70.

 

            Memoriza Deífilo Gurgel (2010, p. 121):

 

         Em 1970, quando comecei a me interessar pela cultura popular do Rio Grande do Norte, meu primeiro alumbramento foi a descoberta do universo folclórico de São Gonçalo do Amarante. Naquele tempo, havia na cidade os seguintes grupos tradicionais de folclore autêntico: o boi de Pedro Guajiru, os congos de João Menino, o pastoril de seu brito, sargento da polícia.

 

            Para a comunidade e para os brincantes dos congos de São Gonçalo do Amarante, esta manifestação, tem um sentido que vai muito além de todo o enredo histórico advindo da África com contribuições religiosas da cultura Ibérica, contado pelos livros. Os brincantes (em sua maioria trabalhadores rurais) veem na brincadeira um momento onde eles esquecem a dureza do cotidiano e encontram espaço de memória individual e coletiva, cada um com suas histórias e vivências que junto com os outros componentes do grupo a revivem, tendo a  preocupação de manter viva a memória dos mestres e de outros brincantes mais antigos, pois cada qual a seu modo e há seu tempo contribuiu e contribui para a manutenção desta importante expressão cultural são-gonçalense e que através da oralidade, preservam sua identidade, seus valores culturais, a história  e suas raízes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AMARAL, Rita. A formação da festa “à Brasileira. In: Festa à Brasileira: Sentidos do festejar no país que ‘’não é sério’’. São Paulo, 1998. Tese de doutorado em Antropologia Social da Universidade de São Paulo.

  • CASCUDO, Luis da Câmara. Made In Africa: pesquisa e notas. 4. Ed.-São Paulo, 2002.

  • GURGEL, Deífilo. GURGEL, Tarcísio; VITORIANO, Vicente. Introdução à cultura do Rio Grande do Norte. João Pessoa, PB: Editora, 2003.

  • GURGEL, Deífilo. São Gonçalo do Amarante: O país do folclore: 300 anos de história. Natal: Prefeitura Municipal de São Gonçalo do Amarante, 2010.

  • GURGEL, Deífilo. Espaço e tempo do folclore potiguar. 3. Ed. Natal: Governo do Estado, 2006.

  • GURGEL, Deífilo. Danças folclóricas do Rio Grande do Norte. Natal: Editora Universitária 1982.

  • Documentário sonoro do folclore brasileiro n° 25 – Congos de Saiote /São Gonçalo do Amarante/RN, 1977.

  • DIAS, Teixeira, Raquel. “Foi São Benedito quem me trouxe aqui’’: devoção  e tradição entre congadas e moçambiques do Vale do Rio de Janeiro: IPHAN, CNFCP, 2012.

  • LÍNS, Jaceguay. O congo do Espírito Santo: uma panorâmica musicológica das bandas de congo. Vitória: [s.n.], 2009.

  • VICENTE, Severino. Folclore e cultura popular nas práticas pedagógicas.; Fortaleza: Editora IMEPH, 2010.

Autora: Anny Kelly Gomes Dantas

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